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A mata do Luaia

O braço armado da FNLA, ELNA (Exército Libertação Nacional de Angola) tinha a sua principal base logística de apoio e treino desde 1962 em Kinkuzu na República do Zaire, actualmente denominada República Democrática do Congo desde 1996.

KINKUZU

Era daqui que se infiltrava em Angola pela fronteira norte nas províncias do Zaire e do Uíge para perpetrarem ataques às nossas tropas no interior do norte de Angola e um dos seus santuários, a par da floresta dos Dembos, mais para sul, onde se escondiam com meios humanos e materiais era precisamente a mata do Luaia, onde corria o rio com o mesmo nome.

Era uma zona de planalto composta por savana e matas densas de difícil penetração e foi por isso que as chefias militares de Angola resolveram em finais de 1969 entregar à engenharia militar a missão de a partir do Toto abrir uma picada em direcção aquelas matas para permitir às nossas tropas um acesso mais rápido.

Na época em que ali estivemos, finais de 1971 e princípios de 1972, não sabemos quem seria o principal comandante do ELNA na zona, mas ouvíamos falar no Pedro Afamado, um guerrilheiro experiente e especialista em preparação de emboscadas que causaram grandes perdas às nossas forças. Uma dessas emboscadas já aqui foi referida num post publicado em 21 de Novembro de 2011, sob o título “Sangue no Capim” de que foi vítima um grupo de combate do aquartelamento de Calambata. Há relatos na net de outra que ocorreu em 1969 na picada entre Quimaria e Toto e ainda outra em Agosto de 1970 em que um grupo de combate pertencente ao aquartelamento de Lucunga composto por 29 elementos sofreu 11 mortos, 8 feridos graves e um desaparecido.

Aqui está um trecho da picada construída penetrando a mata do Luaia em que também fomos protagonistas contribuindo com o nosso esforço para a segurança de homens e máquinas.

Mário Mendes


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HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA C. CAÇ. 3413 (VI)

Do Toto á Cleópatra, o terreno apresentava-se mais ou menos plano, alguns tufos de mata e muito, mesmo muito capim. A C. Eng.ª 2579 não primava por esmeros militares, mas á sua maneira, era organizadíssima e umas máquinas a trabalhar, que os seus vinte e tal meses de Angola lhes conferiam. A nós, cabia-nos garantir a sua protecção e segurança. Ainda de noite, saíamos á sua frente a bater toda a zona para que trabalhassem em sossego. Mas antes, era-nos servido um lauto pequeno-almoço, que consistia sempre em pão untado com margarina, tipo sebo, com algum café, pouco leite (em pó) e muita, mas mesmo muita água para ninguém se desidratar. De seguida era distribuído a cada, um bom naco de pão, linguiça e vinho. Este era intragável mas ninguém reclamava. Era para comer a meio da manhã, ou quando a fome apertasse e desse jeito. E assim que possível, lá cheirava a linguiça assada. Nesta fase, ficávamos estrategicamente divididos e colocados por secções, para daí dominarmos e abrangermos a maior área possível. Estávamos na época do “Cacimbo”, ou seja, a época menos quente do ano, e praticamente sem chuva. As manhãs começavam todas invariavelmente frescas e nebulosas. Entretanto, lá para o meio da manhã, o sol abria e era um sufoco. No meio do capim, expostos á canícula, era de estarrecer. O sol batia impiedoso e não havia brisa que passasse por entre o capim para nos refrescar. Quando calhava ficarmos perto dalgum tufo de mata, era uma bênção dos Deuses. Ali o sol não batia, era fresco e até dava para espairecermos. Era um regalo, e todos ensaiámos os nossos dotes de “Tarzan”, visto á época o “Rambo” ainda não ter nascido. Eram espontaneamente organizados concursos que consistiam em arremessar a faca de mato contra uma qualquer árvore descuidada, e onde mediamos as capacidades de cada um no manejo da mesma. Resultado do exercício? Muitas facas partidas e muitas mais sem bico, que as sentinelas, por não poderem participar no “concurso”, festejavam efusivamente!

    Ainda na Cleópatra, certo dia, no fim duma pequena subida, entramos numa zona planáltica e de repente demos de caras com uma manada de pacaças! Eram centenas e centenas delas a correr á desfilada. Metemos as viaturas pelo meio da manada e vá de fogachada. O tropel de uma manada em disparada já de si é enorme. Agora a isto juntemos o barulho das viaturas de prego a fundo, os nossos gritos, mais o som dos tiros, foi de loucos. Uma situação única, inesquecível e irrepetível! Muitas ficaram certamente feridas, mas três pelo menos, ficaram para nosso contentamento e melhoraria do rancho. Até houve fartura de carne! E neste particular os “engenheiros”, com uma grande tarimba, davam cartas. As suas tendas eram enormes, compridas e bastante altas, e até tinham uma cobertura dupla, para o sol não bater de chapa, e o ar circular por entre os panos da tenda e assim refrescar o ambiente. Bem arejadas e espaçosas, revelavam-se espectaculares em comparação com as nossas, baixas, pequenas e curtas. Descobri o Parreirinha que era, e é, de Montemor. Graças a isso, tinha livre-trânsito às suas instalações e muitas vezes me desloquei até lá, para um petisco, umas cervejas ou simplesmente conversarmos. Porque isto da “velhice ser um posto”, era mesmo verdade e constatei que tinham um esquema fantástico. Não comiam do rancho como a generalidade do pessoal. Enquanto nós íamos todos para a frente de trabalhos mais os seus operadores, alguns deles ficavam no aquartelamento e um, que tinha uma habilidade nata para o “desvianso”, todos os dias estava encarregue, sem que ninguém se apercebesse muito menos os cozinheiros e o vago-mestre, de surripiar os géneros alimentares necessários para a refeição pretendida. Além da “fruta roubada ” saber sempre melhor, eles também confeccionavam tudo a preceito. E era diferente de cozinhar para os próprios e poucos do que o fazer naqueles caldeirões enormes do rancho, e em que a higiene era a possível ou nenhuma…. E em vez de lume a lenha, utilizavam uma forja e num instante o lume estava pronto. Era só dar á manivela. Um verdadeiro luxo!

Com o aproximar da Cecília, tudo se alterou. O terreno deixou de ser plano. O capim deu lugar a mata cerrada, e os trabalhos e dificuldades cresceram a olhos vistos. Acabávamos de dar entrada nas matas do Luaia, zona sob o domínio do “Pedro Afamado”. E o que estas matas tinham de misterioso e dantesco, também se revelavam atractivas e sedutoras. Eram matas virgens, onde as nossas forças esporadicamente entravam, mas não dominavam. Era entrar e sair. Daí o interesse em abrir picadas, para mais facilmente serem lançados ou recolhidos os militares envolvidos nas futuras operações. Ao que me lembro, esta picada tinha por destino a zona dos “Dembos”, ficando assim aberta uma nova via de comunicação. Claro que isto era precisamente o que os movimentos não aceitavam, e contrariavam á sua maneira….

    Mas voltando á mata! Era um espanto todo aquele esplendor da natureza, que nos infundia respeito, admiração, e ao mesmo tempo uma atracção irresistível. O sol embora radioso, ali não entrava. A terra era húmida e cheirava a plantas putrefactas e em decomposição. Ao pisarmos o solo, este era macio, almofadado e viscoso, fruto de milhares de folhas caídas ao longo dos anos. Era o abrigo de muitos animais, principalmente macacos que os havia aos bandos. Para se ter uma ideia da imponência da mata, era normal que os HD6 e HD7 (Caterpillar), quando rasgavam a mata e derrubavam as árvores, ficassem frequentemente presos naquele emaranhado de ramos e lianas. E chegava uma altura em que nem para a frente nem para trás e lá tinha a motosserra que entrar em acção, depois das catanas já terem feito o seu papel. Os grupos de combate eram positivamente engolidos pela vegetação. Praticamente sobrepostas, havia muitas e muitas árvores e arbustos. Umas mais pequenas, outras maiores, outras ainda mais altas e mais acima, lá muito em cima mas também fechadas, lá estavam as mais altas e imponentes na sua grandiosidade, a formarem um tecto verde a tapar o azul do céu, erguendo-se muitos metros acima do solo e tornando tudo num intrincado mundo de folhas e ramos que tudo e todos escondia.

Duma das vezes fomos destacados para nos juntarmos a outro grupo que já lá se encontrava na frente. Chegados ao sítio designado, procuramos via rádio localizá-los. Era uma zona escarpada dum lado e doutro. Estávamos em frente deles, uns cinquenta metros se tanto, ouvíamo-los mas não os víamos. – É pá levantem-se, dissemos nós. – Estamos em pé, responderam eles. – Levantem uma arma. – Já está. E nada de os ver. O que nos pareciam uns arbustos rasteiros, tipo erva, tinha só para aí uns três metros de altura…

Depois de rasgada um bocado da mata, ficavam sempre algumas árvores com os seus extensos tentáculos de ramos e lianas, que eu aproveitava para me atirar para o vazio, voando uns bons metros acima do solo, sentindo sensações indescritíveis. Se por acaso os ramos se partissem, eu também não ficava inteiro de certeza. O precipício esperava por mim lá em baixo, mas mesmo muito lá em baixo.” Coisas de rapazes”…

Mas entretanto os “engenheiros” chegam ao fim da sua comissão e são rendidos. Era malta fiche e bem mereceram o bilhete de volta. Uma alegria imensa, que nós partilhamos! E fizeram-me sonhar com o meu dia, mas só de pensar no que ainda nos faltava… o melhor mesmo foi não pensar mais nisso e andar para a frente. E aí estava a maçaricada, acabadinhos de chegar do “puto” e com uma vontade imensa de dar continuidade ao excelente trabalho dos “velhinhos”. Algumas chuvadas, prenúncio da estação das chuvas que se aproximava, atrasam os trabalhos. Mas o comandante acabadinho de chegar, queria a todo o custo mostrar serviço e não desmerecer dos “velhinhos”. E lá fomos ficando.

Entretanto chega o Natal. Natal? Mas onde é que estava o frio, os abafos de inverno, os jantares em família, os votos de “PAZ” e saúde, as prendas e tudo aquilo a que estávamos habituados? “NADA”. O que tinha com fartura era mato, camuflados e armas, e por companhia aqueles tristes que como eu que para ali estavam desterrados com o pensamento nos seus e nas sua terras. Que confusão que aquilo me fez…E ainda hoje na noite de Natal, SEMPRE, retiro-me um minuto para recordar aqueles dias tão distantes, e agradecer o pouco que agora tenho…E lá passámos esta data o melhor possível. Houve até um programa de variedades fantástico na Noite de Natal, já aqui referido, e no dia 25-12-71 uma almoçarada reforçada com um javali que tinha caído numa armadilha, e que “alguém” confeccionou, e nós comemos a preceito. Depois de jantar, cada um recolheu aos seus aposentos para em “família” sonhar que estava “cá com os seus”. E como doía estar longe, mais a mais naquele triste cenário. Em determinada altura fui dar uma volta pelo acampamento e as tendas da 1311, que ficavam viradas para a “1ª circular”, estavam um espanto. O ser humano tem um poder inventivo realmente fantástico, e ainda hoje me interrogo como conseguiram fazer tudo aquilo, se não havia nada para fazer o que quer que fosse. O certo é que as tendas estavam um espectáculo de luz e cor, mais lembrando “os Moulins Rouges” e demais “boîtes” e “Cabarets”, duma qualquer cidade. Tinham tido o cuidado e a obrigação das luzes ficarem só visíveis e vistas de dentro, não sendo visíveis do exterior, até como mandavam as regras de segurança. Só que para celebrar e ao mesmo tempo afogar as mágoas, estava tudo bem bebido. A Liamba crescia espontânea e havia com fartura sendo consumida por alguns. Claro que esta combinação era perigosa e podia dar no que deu…

Um soldado lembrou-se de ir urinar, e em vez de ir verter águas na “piscina” ou noutro sítio qualquer mais á mão, lembrou-se de sair do acampamento, atravessar a zona de segurança sem ser visto e depois de aliviado fazer o caminho inverso. Só que nessa altura, a sair duma tenda vinha um outro camarada seu, que dá de caras com um vulto a dirigir-se para dentro do acampamento, e o que via era um “Turra” a infiltrar-se. Alarmado e cheio de “briol”, pelo menos, começou a disparar para o que ele imaginava ser o inimigo, no que foi secundado por mais dois ou três que tal como ele estavam “etilizados”. Isto em cenário de guerra, é como os rebanhos de ovelhas. Para onde vai uma, vão todas. E se um dispara, os que estão perto é quase certo que intuitivamente fazem o mesmo, mesmo sem saber porquê. O desgraçado ao sentir-se o alvo dos tiros, bem levantava os braços e gritava, mas o fogo só parou, quando um mais sóbrio o reconheceu. No meio de tanto tiro, só lhe acertaram no salto duma bota e o homem sobreviveu sem uma única beliscadura, a dezenas de tiros. Era de raça branca, mas estava transparente. Todo ele tremia, mas estava inteiro. Só um “milagre” ou mais concretamente, o estado de embriaguez em que aquela malta se encontrava permitiu este feliz desfecho, tendo-lhe saída a prenda de Natal que mais se ambiciona. E o que primeiro disparou jurava a pés juntos que o “homem” que ele viu era negro e bem negro. Bebedeiras…

E logo a seguir vem o fim do ano. Totalmente diferente o estado de espírito duma data para a outra. Enquanto o Natal mexe muito com os nossos sentimentos e nos faz pensar nos familiares e em tudo o que tínhamos “cá” deixado, a passagem do ano era de alegria e alívio pelo terminar do ano. E havia que celebrar. Como? Uma jantarada reforçada e com muita bebida. As horas foram passando, e quando chegou a meia-noite, nada como comemorar. E começou um tiroteio cerrado. Toda a minha gente virou as armas para fora do acampamento e fogo. Tiro a tiro, rajadas, valia tudo. E para animar a festa e a pedido, entram os morteiros no festival. As suas granadas começam a rebentar junto á picada. E toda a minha exige mais perto, mais perto. As morteiradas sucedem-se cada vez mais perto, o morteiro cada vez está mais na perpendicular, até que por fim, e quando nós também já tínhamos percebido que as granadas rebentavam perto até de mais, os comandantes mandaram por fim aquele festival de doidos. Não houve mais incidentes, ninguém se feriu ou aleijou, e depois dos comentários da praxe ao ocorrido, tudo para o vale de lençóis. Tudo numa boa. O pior foi de manhã ao acordarmos. O capitão dos engenheiros andava de volta das suas viaturas e apontava para os estilhaços com que as suas viaturas tinham sido presenteadas. Mas o pior foi dois pneus das motoniveladoras que tinham ficado cravejados e todos esburacados, e aqui nada havia a fazer senão substituí-los por novos. Estamos a falar de pneus enormes, da altura dum homem mediano, e que há altura, nem havia muitos e eram caríssimos…Que grande bronca!


Alves, Teixeira e Rodrigues do 1º pelotão da C.Caç. 3413 e mais 4 da Cª. Eng. 2579

Do lado direito, a célebre “forja”



Nas matas do Luaia, ora em posição de combate, ora em descanso,

aqui em amena “cavaqueira” com os furriéis Lopes e Camelo da C.Caç. 1311.


Desbravar estas matas e remover tanta terra era “obra” …


Momentos de descontracção em que as rainhas da festa eram as Cucas e Nocais. Ao centro, o capitão Videira, o furriel enfermeiro Martins (já falecido) e o furriel Pedrosa, todos  da 1311. O restante pessoal é da nossa 3413, furriéis Alves, Teixeira, Rodrigues, Mendes, Maia, Penedo.


A picada serpenteando a mata.

Joaquim Alves


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O Luvo em 2011

Deambulando pela net encontrei há dias um blog de um motard português que percorreu o continente africano e que na sua passagem de Angola para a RDC pernoitou no posto fronteiriço do Luvo, onde estivemos em 1972/73.

 A transcrição do relato do autor:
Trajecto Mbanza Congo – fronteira do Luvo

Não foi difícil arranjar um espaço seguro onde passar a noite: depois de falar com o responsável da migração, já com o carimbo de saída de Angola no passaporte, este arranjou-me um espaço para colocar a tenda, junto da sua residência.

Optei por passar a noite em solo angolano, em vez de atravessar para a RDC, pois ainda me restava uns kwanzas no bolso e seria sempre mais agradável que passar a noite na migração do “outro lado”.
Previa que no dia seguinte as coisas fossem bastante demoradas, no mínimo, e queria começar as formalidade da entrada assim que os portões abrissem.
Assim, às 8:30 da manhã, com tempo de sobra para arrumar tudo e comer alguma coisa, saí finalmente de Angola e entrei na estrada que dá acesso, passando o Rio Luvo, à RDC.
Com algumas fotos que colhi do blog aqui vai um pequeno vídeo com fotos do Luvo:
Muito diferente do Luvo que conhecemos, eu bem tentei em cada foto vislumbrar alguma construção daquele tempo, mas parece-me que só na última foto, do lado esquerdo, o edifício será a traseira do que foi a messe dos oficiais e sargentos.
Precisam-se olhos de lince para encontrar algo que nos seja familiar, o desafio está lançado aos ex-combatentes que estiveram naquele local e queiram comentar estas fotos.
Agradeço ao autor das mesmas, Gonçalo B. que pode conhecer clicando AQUI.
Mário Mendes


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O acordo de Alvor = pedaço de papel

14-01-2005 | Fonte: Lusa (Vera Magarreiro)

O acordo de Alvor, que há 30 anos permitiu a independência de Angola e previa a paz na antiga colónia portuguesa, representa para António Almeida Santos (na foto), um dos signatários, apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”.

Em entrevista à Agência Lusa, o dirigente do Partido Socialista Português, que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenação Interterritorial e integrava a delegação portuguesa que assinou com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola o acordo de Alvor, no Algarve, refere que, assim que viu o documento, soube que “aquilo não resultaria”.

O acordo “previa a eleição de uma assembleia política disputada por três partidos, que tinham por detrás três exércitos e três países cheios de ambições económicas, materiais”, afirma o deputado, para justificar a sua certeza de que a solução era “inexequível”.

Além das disputas internas, estava em causa o apoio aos movimentos de três potências mundiais, em plena guerra-fria – o MLPA era apoiado pela URSS, a UNITA pela África do Sul e, num plano de fundo a própria China, e a FNLA pelos Estados Unidos, “não apenas politicamente, mas com dinheiro, material e formação”.

“Era um tabuleiro em que as grandes potências jogavam o xadrez ligado ao petróleo e aos diamantes”, afirma Almeida Santos, que na altura propôs ao “amigo” Agostinho Neto, colega dos tempos de Coimbra, uma reunião com os líderes dos três movimentos “à margem” da cimeira de seis dias, que decorreu no Hotel Penina, em Alvor.

O encontro prolongou-se pela madrugada e Almeida Santos transmitiu a sua oposição à solução encontrada: “Com este esquema vocês vão continuar aos tiros”.

“Com um órgão de cúpula em que havia uma representação dos três movimentos, ou seja dos três exércitos, que decisões é que eles iriam conseguir tomar? Como era possível conseguir uma maioria? O que ficasse em minoria desataria aos tiros”, argumenta.
Propôs então uma solução alternativa que previa uma presidência rotativa. Cada um dos líderes assumia rotativamente o cargo de presidente, de primeiro-ministro e de chefe das forças armadas ou presidente do parlamento.

A solução assentava ainda na criação de uma Constituição, que seria referendada e serviria para estruturar o novo Estado. As eleições realizar-se-iam apenas quando o país estivesse estabilizado e não antes da independência como ficou estabelecido no Acordo de Alvor.

Os três aceitaram mas, à saída, Agostinho Neto disse que tinha ainda de consultar o comité central do MPLA sobre a proposta.

“No dia seguinte a resposta foi negativa”, lamenta o deputado socialista, para quem esta solução, de que muito se orgulha, podia ter traçado um rumo diferente dos acontecimentos.

Resignou-se à solução, mas tem pena de ter sido apenas um “escriba” do documento.

“O acordo já vinha pré-estabelecido pelos líderes dos movimentos. Eu e Mário Soares (então ministro dos Negócios Estrangeiros) limitámo-nos a meter o acordo em bom português”, destaca.

“Do acordo de Alvor sou apenas um escriba, não sou mais do que isso”, reforça, lembrando que Portugal não teve outra alternativa, senão assinar por baixo o que os líderes dos movimentos decidiram uma semana antes de Alvor, em Mombaça, no Quénia.

Sobre a reunião de Mombaça, diz que “foi quase um milagre conseguir sentá-los (aos líderes dos movimentos) à mesma mesa, porque a guerra civil já estava no auge, principalmente em Luanda, onde já se estavam a matar uns aos outros”.

Para Almeida Santos, Portugal teve “um atraso mínimo de dez anos e máximo de 20” no processo de descolonização em relação a outros países como a França, a Inglaterra, a Holanda ou a Bélgica e era preciso “encontrar uma solução” urgentemente.

“As nossas tropas estavam saturadas da guerra, o que, de certo modo levou à revolução do 25 de Abril” e originou uma “psicose de pressa”, refere, lembrando que, além disso, as tropas portuguesas estavam “à beira de uma derrota na Guiné-Bissau e em Moçambique a situação estava a deteriorar-se cada vez mais”.

“Era um castelo de cartas. Sabia-se que quando caísse a primeira carta, cairiam todas as outras. Em resultado disso a descolonização foi feita em condições péssimas”, refere.

A descolonização devia ter sido feita progressivamente, porque a própria opinião pública portuguesa “não estava preparada para um salto rápido” que implicava “a perda das colónias” mas isto gerou a desconfiança nos movimentos de libertação, que exigiram a negociação simultânea de um processo de paz.

A guerra colonial prolongou-se por mais alguns meses após o 25 de Abril, o que “agravou a revolta dos militares”. “Não percebiam porque continuava a matar-se a morrer-se”, sublinha o deputado.

“Gerou-se então um clima de indisciplina, já ninguém mandava em ninguém, já não havia respeito por qualquer tipo de ordem”, uma situação “perigosíssima para quem tinha que negociar a descolonização”, agravada pelo facto de ser necessário chegar a acordo “com três e não apenas um movimento de libertação”, analisa.

“Nas circunstâncias, o acordo de Alvor foi o acordo possível, em extremo de causa. É preciso ver que é um acordo entre três beligerantes, entre três exércitos em luta uns contra os outros. É mais um armistício do que um acordo de descolonização”, considera.

No entanto, com este acordo, Portugal ganhou legitimidade para dizer “isto é um problema deles, fizemos o que tínhamos a fazer, agora entendam-se”, destaca Almeida Santos. “De certa forma legitimámos a nossa saída”.

Sem desistir da proposta apresentada em Alvor aos três dirigentes angolanos, Almeida Santos reapareceu com um documento “na mesma base”, em Junho de 1975, aproveitando a ideia de que o acordo devia ser revisto porque não estava a ser cumprido.

“O governo concordou, o Presidente da República também, mas infelizmente o Melo Antunes (na altura ministro sem pasta responsável pelos processos de descolonização) discordou, não sei porquê”, recorda.

O dirigente socialista considera que Melo Antunes estava “agarrado” à esperança de que ainda era possível que os três movimentos chegassem a acordo e recorda uma visita que ambos fizeram posteriormente a Luanda, em que conseguiram “uma trégua de duas ou três semanas”.

Estas tréguas, diz, eram, no entanto, “precárias” dado que “as razões por que eles lutavam eram tanto internas como de fora, porque naquela altura a guerra-fria mobilizava paixões terríveis”.

“Cada um defendia os seus interesses, interesses que cheiravam a petróleo e brilhavam como os diamantes, eram interesses muito fortes”, reforça.

“Fomos ultrapassados pelos acontecimentos e aquele acordo de Alvor é um acordo que não valeu nada”, sublinha Almeida Santos.

O deputado recorda o seu discurso durante a tomada de posse, em Luanda, do governo provisório acordado em Alvor, em que afirmou: “este acordo tanto pode vir a ser um bom acordo para salvar Angola como pode vir a ser apenas um pedaço de papel”.

“Infelizmente, foi apenas um pedaço de papel”, diz, 30 anos depois.

Questionado pela Lusa sobre se Portugal cometeu o mesmo erro com as negociações de paz de Bicesse, em 1991, Almeida Santos responde que não percebe por que não resultou, dado que terminara a guerra- fria, mas avança uma hipótese: “provavelmente era cedo demais, ainda não havia a saturação da guerra”.

Sobre o fim do conflito armado em 2002, possível após a morte de Savimbi, o socialista responde com uma declaração que fez há anos em Angola e que, na altura, “chocou os jornalistas”: “Angola está condenada a que a guerra dure até que um dos contendores vença o outro”.

Sobre se o cenário seria diferente caso a UNITA tivesse assumido o poder em Luanda em vez do MPLA, Almeida Santos defende que diferente seria certamente, mas que não sabe se melhor.

“Tenho as minhas dúvidas. Se ganhasse a FNLA, ficávamos debaixo da pata do Mobutu (ditador do ex-Zaire), que não era flor que se cheirasse, se ganhasse o Savimbi, ficávamos não só debaixo da pata do Savimbi mas também da África do Sul, racista. Das três hipóteses viesse o diabo e escolhesse”.

O acordo de Alvor, composto por 60 artigos, acabou por ser suspenso temporariamente três meses antes da independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975, pelo então presidente da República, Francisco da Costa Gomes, que invocou a sua violação constante.

De Alvor, os líderes dos três movimentos de libertação – Agostinho Neto, pelo MPLA, Jonas Savimbi pela UNITA e Holden Roberto pela FNLA – levaram pelo menos a garantia de serem “únicos e legítimos representantes do povo angolano” No seu discurso, após a assinatura do acordo de Alvor, que considerou de “transcendental importância”, o presidente Costa Gomes deixou aos dirigentes dos três movimentos o desafio de encontrarem “soluções angolanas autênticas, baseadas na capacidade de diálogo, no espírito de cooperação e na boa vontade de servir” o país, apesar das “diferenças sociais, filosóficas e políticas”.

Prevaleceram as diferenças e foi abandonado o diálogo. O resultado foi mais 27 anos de guerra, desta vez civil, num país que Costa Gomes qualificou na altura como dos “mais florescentes do continente africano”.


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Recordações (IV)

Uma vez que a grande maioria do pessoal da C.Caç. 3413 não abre o baú das recordações, que continua fechado a sete chaves, aqui vão algumas fotos da autoria do nosso amigo Correia. Ao visioná-las pode ser que mais alguém arrombe o baú e traga à luz do dia as suas vivências com fotos ou sem elas dos anos de 1971, 72 e 73 que passámos em Angola.

Vista área do aquartelamento da Mamarrosa, a zona alta onde se situavam o comando, a secretaria, a enfermaria e posto médico, as transmissões e a messe dos oficiais.

Mamarrosa, avenida principal, vista da zona mais baixa, vendo-se lá no alto os edifícios mencionados na foto anterior.

O estádio de futebol da Mamarrosa em primeiro plano com bancada e tudo que se vê no lado direito, onde se realizaram grandes encontros de futebol.

Outra vista geral da Mamarrosa do lado oposto ao da foto anterior.

Do lado direito a picada rodeada de palmeiras que dava acesso ao aquartelamento, o edifício maior é a serração de madeiras e atrás desta a sanzala dos trabalhadores do café.

Mário Mendes


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APVG – Sorteio de 2011

Adiamento da data do sorteio nacional.

Devido a que os bilhetes do sorteio nacional da APVG (Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra) está a decorrer muito lentamente, porque a vida está difícil para todos, foi feito um pedido a S.Excelência  o senhor  Ministro da Administração Interna para a dilatação do prazo da venda dos bilhetes.

Assim, no dia 19 de Agosto de 2011, foi despachado favoravelmente o pedido para alteração da data do sorteio que passou do dia 29 de Dezembro de 2011 para o dia 31 de Julho de 2012. É esta a informação que consta no site da APVG (www.apvg.pt)

Este ano ainda não vi os vendedores dos bilhetes aqui na minha cidade e por isso não tive oportunidade de adquirir qualquer. O próprio site da APVG deveria disponibilizar a venda on line, seria mais fácil para quem quisesse ajudar.

Mais uma vez esperamos pela solidariedade dos portugueses, pois o Estado já não se interessa pelos seus ex-combatentes. Já lhes sugou o sangue, suor e lágrimas, podem agora ser descartados.

Mário Mendes


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Os números de 2011

O número de visitantes que acederam a este blog em 2011 foi de 75.976

Os sites que mais o mencionaram em 2011 foram:

Os 5 comentadores mais activos:

  • 1 José Guilherme, 20 comentários
  • 2 Joaquim Alves, 20 comentários
  • 3 José Sampaio, 10 comentários
  • 4 Cremon de Lemos, 8 comentários
  • 5 Manuel Aldeias, 6 comentários

Estes são os artigos mais visitados em 2011:

Visitantes provenientes de muitos países sendo os do topo: Portugal, Brasil e Angola.

Obrigado a todos, aquele abraço.

Mário Mendes


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Sismo de 1980 na Terceira

Faz hoje 32 anos que um forte sismo abalou as ilhas do grupo central dos Açores. Depois dos festejos do fim do ano, o dia 1 de Janeiro de 1980 apresentou-se solarengo e agradável e muita gente passeava pelas ruas quando às 15 horas e 42 minutos, hora local, um grande abalo com magnitude de 7.2 na escala de Richter fez enormes estragos nos edifícios e provocou grande pânico na população.

As ilhas mais afectadas foram a Terceira e São Jorge, tendo falecido 51 pessoas na primeira e 20 na segunda e registado também cerca de 400 feridos. Mais de 15.500 edifícios ficaram danificados e como consequência ficaram desalojadas cerca de 15.000 pessoas.

Apesar de tanto sofrimento, a hora do sismo com muita gente na rua permitiu que o balanço não fosse tão dramático face à destruição provocada. As imagens que se seguem neste vídeo são esclarecedoras da situação. Angra do Heroísmo, a cidade onde 9 anos antes quase todos os companheiros da C.Caç. 3413 estivemos e serviu de berço à constituição da mesma, ficou irreconhecível.


Entramos em 2012, anunciam-se também alguns terramotos económicos e sociais, mas que comparados com estes fenómenos da natureza não são nada. Depende dos homens com a sua vontade, inteligência e bom senso ultrapassar as hecatombes socioeconómicas que eventualmente poderão acontecer, mas vamos manter a esperança que os responsáveis sejam capazes de levar o barco a bom porto e no fim de 366 dias possamos fazer um balanço positivo do ano que agora começa.

Quanto às catástrofes naturais, muitas vezes também provocadas pelo homem pelos seus comportamentos ambientais, que fiquem afastadas de todo o mundo. Em Portugal, nos últimos anos as que mais devastação e mortes provocaram foi a que aqui se relata e também as enxurradas que aconteceram na ilha da Madeira em 21 de Fevereiro de 2010 e que provocaram 40 mortos.

Em ambos os casos os portugueses arregaçaram as mangas, deram as mãos, foram solidários e são essas características que nos vão fazer sair desta situação de crise que atravessamos.

Mário Mendes