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Batalha de Kifangondo

General Xavier comanda a Academia Militar das Forças Armadas Angolanas

Fotografia: Mota Ambrósio

A voz pausada e firme de Neto envolveu a multidão no largo que viria a chamar-se 1º de Maio, quase sem precisar do sistema de amplificação sonora instalado no local. O recurso ao registo sonoro deste momento solene da História de Angola, repetido num “spot” institucional na Televisão Pública de Angola (TPA), permite ouvir pequenos estalidos irregulares e secos, entrecortando o discurso do fundador da Nação.
Fica a impressão que são falhas no som, normalíssimas num registo feito por um aparelho sem os recursos tecnológicos disponíveis actualmente. Mas Manuel André, que assistiu à cerimónia corrige: “não são falhas do som, eram tiros…”.
Antes um mero espectador da proclamação da independência, hoje funcionário sénior da TPA, Manuel André explica que os estalidos ao fundo, na gravação, eram explosões que se ouviam de muito longe. “Quando o Presidente Agostinho Neto proclamou a independência, os combatentes das FAPLA travavam uma dura batalha, em Kifangondo, contra tropas inimigas e as explosões de armas pesadas eram ouvidas também no Largo 1º de Maio”.
A versão apresentada por Manuel André é verdadeira, mas não completamente correcta. Os estalidos que se ouvem ao fundo no registo sonoro do discurso da proclamação da Independência nacional correspondem a disparos da batalha de Kifangondo, mas, naquele momento já não havia combates, na verdadeira acepção da palavra, muito menos bombardeamentos do inimigo.
O general Carlos Alberto da Silva e Mello Xavier, actual responsável da Academia Militar das Forças Armadas Angolanas, que acedeu ao nosso convite para uma visita guiada ao palco da batalha de Kifangondo conta que na madrugada do dia 11, quando foi proclamada a Independência Nacional, o inimigo já tocava em retirada havia algum tempo. “Éramos só nós a bombardear as posições do inimigo que estava em fuga desordenada”.
À época oficial de artilharia, o comandante Xavier revela que os disparos que se ouviam em Luanda, na proclamação da independência, “correspondem aos bombardeamentos feitos pelas nossas tropas numa fase em que o inimigo já recuava. Nós bombardeámos no dia 10 e prosseguimos nos dias 11 e 12. Na fuga, eles tentavam ainda recuperar as suas técnicas deixadas no terreno”.
Xavier fez parte de uma estrutura de comando encabeçada por David Moisés “Ndozi”, que integrava, entre outros,  os hoje generais António dos Santos França “Ndalu”, então chefe do Estado-Maior da IX Brigada, Roberto Leal Monteiro “Ngongo” (chefe da secção de artilharia), Rui de Matos “Maio” (chefe das operações) ou Salviano Sequeira “Kianda”, todos combatentes com provas dadas na luta armada de libertação nacional.


No encalço da história

Na véspera da proclamação da independência, a pacata Kifangondo, terra de gente camponesa, conhecia a maior concentração militar de que há memória em número de tropas e equipamento e tecnologia militar. Naquele momento, Kifangondo era palco de um conflito internacional.
“As FAPLA ocupavam estrategicamente a área do morro de Kifangondo, e, desta forma, podíamos controlar duas direcções que convergem para a cidade de Luanda, que era a estrada que de um lado vem do Ambrizete/Ambriz/Caxito e do outro lado vem do Uíje/Kibaxi/Piri/Caxito”, conta.
O general Xavier falou à nossa reportagem precisamente no local onde acompanhou a movimentação das tropas inimiga há 34 anos. “Além da possibilidade de controlar esse ponto de convergência do acesso à cidade de Luanda, era também possível manter o controlo das estradas de Catete/Kifangondo/Luanda, além de dominar toda a planície e toda a lagoa do Panguila que tanto de um lado como do outro são terrenos pantanosos, o que obrigava o inimigo a concentrar-se nos limites para a sua tentativa de ataque final”, relata.
Após consolidadas as posições, as tropas permaneceram em silêncio por ordem do comandante Ndozi. “Eles bombardearam-nos intensamente no dia 9, utilizando todas as baterias de artilharia, à espera que a nossa artilharia respondesse ao fogo para permitir a localização”, refere o general, sublinhando que, na altura, os sul-africanos utilizavam um sistema de captação de tiro por onda sonora.
O dia 10 de Novembro era decisivo para ambos os lados, porque se aquela linha de defesa da cidade de Luanda fosse transposta nesse dia, impedia a proclamação da independência. “Com a tentativa de ocuparem o morro de Kifangondo, a companhia de mercenários portugueses nos canhões AML e o pelotão de artilharia com soldados regulares sul-africanos que manobravam canhões 140mm, reforçaram o seu contingente com forças zairenses”.
Do outro lado estava uma companhia de tropas da FNLA, três batalhões de tropas especiais zairenses, uma companhia de mercenários portugueses do ELP, duas companhias de blindados AML 90 e 60, uma bateria de morteiros 105mm e um pelotão anti-aéreo.
Do lado de cá, as FAPLA recebem o reforço de um grupo de internacionalistas cubanos, ajudando a consolidar as suas posições com armas pesadas. O general Xavier pormenoriza: “considerando que a batalha tinha grande importância estratégica e política preponderantes as FAPLA foram reforçadas com uma companhia de tropas especiais, os Corvos ao Imbondeiro, e um batalhão de BRDM na ala esquerda do rio Bengo e na conduta de água que abastece Luanda a partir de Kifangondo”.
As FAPLA dispunham de três batalhões de infantaria (escola de Ndalatando), uma companhia de destacamento feminino, uma bateria GRD-1P, uma bateria de BM 21, duas baterias de morteiro 82mm em Unimogs, uma companhia de comandos da IX Brigada e 58 internacionalistas cubanos.

A batalha de Kifangondo

Após intenso bombardeamento no dia anterior, as FAPLA estavam à espera de uma investida maior no dia 10 de Novembro de 1975. O relógio indicava 05H00, quando dois aviões se fizeram aos céus flagelando as posições das FAPLA, no Morro de Kifangondo.
“A primeira impressão é que fomos bombardeados pela aviação, mas não. Eram voos de reconhecimento que iam verificar os acessos, principalmente o estado das pontes, mas que a dado passo começaram a disparar com peças de artilharia”, esclarece.
O comandante Xavier conta que esse movimento da aviação (eram avionetas de reconhecimento, que partiam da pista do Ambriz ou de pequenas pistas em fazendas como a Martins de Almeida), obrigou a mudança de posições dos BM 21 para a elevação Este no Morro de Kifangondo.
“Ao amanhecer a artilharia inimiga concentrou o seu fogo nas posições defensivas do morro de Kifangondo, mas, sobrestimando o efeito das suas armas, transfere o bombardeamento para o Cacuaco e retaguarda do morro, originando assim o avanço da sua infantaria em camiões, precedidos por companhia de blindados”, relata.
O avanço da infantaria foi acompanhado em silêncio pelas posições das FAPLA, que aguardavam até que estivessem ao alcance da artilharia, conforme ordens do comandante Ndozi. “A infantaria inimiga salta dos camiões e inicia a sua progressão apeada e protegida pelo Esquadrão Ouso, que era constituído por carros blindados AML de 60 e 90, acompanhados a partir do cimo do Morro da Cal pela coluna do segundo escalão (retaguarda) da ofensiva que ia explorar os resultados obtidos pelos do primeiro escalão”.
Até então, disse o general Xavier, só havia movimentação de tropas do lado do inimigo. “As posições das FAPLA estavam mudas”, diz.

O primeiro tiro

Quando um dos três blindados AML 90 se aproximava da última curva antes de chegar à ponte destruída, conseguiu detectar a posição de um dos canhões 76 mm das FAPLA. Abriu fogo quase no mesmo instante, mas sem atingir o alvo.
Junto à peça de artilharia das FAPLA estava o general Xavier. Do seu lado direito tinha um oficial de reconhecimento, que é hoje o vice-ministro do Interior, o general Dinho Martins, e do esquerdo estava o canhão 76 mm, com um jovem soldado cubano.
“Foi tudo muito rápido. O cubano que estava ao meu lado precipita-se e dispara o canhão de 76 mm e não atinge o blindado inimigo, que parou. O Dinho Martins ainda comentou: “estamos lixados!”. O comandante recorda a sorte que tiveram quando um novo disparo feito a partir do blindado AML 90 foi explodir precisamente no local em que hoje funciona a administração do memorial à batalha de Kifangondo.
“O disparo caiu lá atrás e bateu num posto onde está essa casa amarela e os estilhaços atingiram a cabeça de um camarada nosso. Mas a malta não ripostou”, diz o general.
A situação mudou de figura quando outros dois blindados entraram em cena e começaram a movimentar-se na mesma direcção que o primeiro. Os dois começaram a lançar os morteiros de 120 mm, levando a que o comandante Xavier tomasse uma decisão: ” Quando vi aquilo tomei o lugar do jovem cubano, agarrei o tubo e elevei até aonde caiu a primeira munição e depois, com o aparelho de pontaria, vi e apontei para o blindado”, conta o comandante que, assim, inscrevia o seu nome na batalha de Kifangondo como o autor da primeira baixa de vulto nas hostes inimigas.
O disparo acertou em cheio no blindado que saiu da estrada. A partir do local em que o general Xavier recorda a cena, é possível identificar a curva fatal para o oficial do ELP, tenente Pais, unidade comandada pelo coronel Santos e Castro. “O AML 90 ficou com a base da torre do blindado destruída, tendo levado consigo, inclusive, metade do corpo do mercenário que chefiava o blindado”.
O general Xavier acrescenta que quando, ainda no dia 10, terminou o combate, com vários soldados inimigos mortos e material abandonado no terreno, o general Ndalu pediu voluntários para ir verificar. “Se o meu comandante queria ir, claro, tive que ir com ele, mais um jovem bazuqueiro com um pioneiro. Atravessámos, com uma canoa, e fomos até ao blindado que tínhamos atingido e demos com parte do corpo do comandante que dirigia o AML. Ao lado estava uma arma daquelas caçadeiras a que chamamos lançador de ovos de Páscoa, que eu ofereci ao Museu das Forças Armadas Angolanas na inauguração deste monumento”.
Para o general Xavier, aquela arma é uma prova do envolvimento das tropas mercenárias portuguesas. “Por isso é que eu digo, se alguém um dia pensar que é mentira, pelo número da arma, vão ver quem comprou e a quem foi entregue, porque normalmente as armas quando são ilegais, eles raspam o registo, mas aquela não, e então trouxemos”.

O esquadrão feminino

Da batalha de Kifangondo pouco ou nada se diz sobre o papel da mulher. Mas o general Xavier ressalta que havia um esquadrão feminino, que “teve um papel fundamental nos combates”.
“Tínhamos aqui mesmo na frente de combate mulheres muito corajosas. Uma delas é aquela comandante da polícia, a Bety, outra é a esposa do general Rangel, que depois daqui ainda avançou num blindado até ao Sul onde acabou ferida. Eram mais de 100, com idades entre os 18 e os 25 anos”, realça.
Distribuídas pelos diferentes postos de comando, nunca em número acima das três, as jovens voluntárias eram por norma operadoras das comunicações. “Elas tinham uma capacidade maior de observação, eram mais precisas que os homens a passar as informações, e também nos blindados. Elas em combate eram corajosas.”
Em Novembro de 2005, aquando da comemoração dos 30 anos de independência e da batalha de Kifangondo, uma equipa de reportagem de cubanos perguntou ao general Xavier se tinha conhecimento da pessoa que havia aberto fogo contra o blindado AML 90.
“Quando comemorámos os 30 anos da batalha de Kifangondo, uma equipa de reportagem cubana entrevistou-me e durante a entrevista perguntaram se não tinha ocorrido algo no início dos combates que me interessasse comentar. Eles afinal tinham entrevistado o jovem cubano que lhes contou a história. Eu confirmei que afinal o começo dos combates em Kifangondo se deveu a um erro do então jovem soldado”.

Perfil

Casado e pai de quatro filhos, o general Carlos Alberto da Silva e Mello Xavier nasceu a 4 de Março de 1948, em Ndalatando, província do Kwanza-Norte, numa família originária do Seles, Kwanza-Sul.
Filho de uma doméstica e um electricista,ultimamente, ligado à Câmara Municipal de Luanda, fez a tropa no exército português de 1969 a 1972. Depois de cumprir o serviço militar trabalhou na Petrangol, na perfuração de petróleo. Com tudo preparado para viajar para França, onde iria frequentar um curso de engenharia de petróleos, viu o seu sonho frustrado pela polícía política PIDE-DGS. Foi julgado e condenado a dois anos de prisão, acusado de terrorista.

Jornal de Angola – kumuênho da Rosa| – 11 de Novembro, 2009


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100 mil visitas

Atingimos a meta das 100 mil visitas, o que prova que este espaço continua a suscitar o interesse de muitos leitores. Para nós todos são importantes, mas gostaríamos que mais gente da C.Caç. 3413 desse “sinal de vida”.

Além do nosso país, o Brasil e Angola são os maiores “consumidores” destas notícias. Os artigos que mais despertaram a atenção e curiosidade dos leitores são os que se indicam por ordem de preferência:

  1. Luanda de ontem e de hoje
  2. Angola, o gigante africano
  3. O imbondeiro
  4. Morte de Jonas Savimbi
  5. Artesanato angolano
  6. Combatentes portugueses de Angola
  7. Mamarrosa, no espaço e no tempo
  8. Atenção ex-combatentes, mês da esmola
  9. Independência de Angola
  10. Zaire – Angola

Mário Mendes


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Fugiram de Portugal há 50 anos

‘Fugitivos’ africanos juntos 50 anos depois

26 de Junho de 2011, por Leonor Figueiredo


Um grupo de nacionalistas africanos que há 50 anos fugiu de Portugal na sequência do início da guerra colonial, vai comemorar a efeméride na cidade da Praia, a convite do Presidente de Cabo Verde, Pedro Pires – um dos famosos protagonistas da fuga que então colocou o ditador espanhol Francisco Franco contra o ditador português Oliveira Salazar.

A Fundação Amílcar Cabral apadrinha o encontro, que decorre entre o próximo domingo e o dia 3 de Julho. Sob o título «A Fuga. Rumo à Luta», a iniciativa pretende contribuir «para a actualização do registo histórico e a preservação da memória». Vai juntar cerca de 30 nacionalistas – de Cabo Verde, Moçambique e Angola – e três norte-americanos que os ajudaram a dar o ‘salto’ em 1961.

Entre os 100 fugitivos encontravam-se Pedro Pires, Joaquim Chissano (ex-Presidente de Moçambique), Fernando Van Dunem (ex-primeiro-ministro de Angola) e Pascoal Manuel Mocumbi (ex-primeiro-ministro de Moçambique) – políticos que marcarão presença na Praia, assim como médicos e engenheiros.

O médico são-tomense Tomás Medeiros recordou, esta semana, num encontro organizado pelo Centro de Estudos Sociais (CES), em Lisboa, que um dos motivos que o levou a fugir naquele final de Junho de 1961 foi o ter sido classificado como «um dos 13 comunistas mais perigosos de Portugal», pela Faculdade de Medicina de Coimbra.

Como ele, partiram dezenas. Respondiam ao apelo lançado de Conakri e Brazaville por militantes como Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Lúcio Lara, entre outros, para se juntarem às fileiras do exterior. A maioria dos fugitivos frequentava universidades de Lisboa, Porto e Coimbra e pertencia à Casa dos Estudantes do Império.

Registos em livro e em documentário

Foram ajudados por três norte-americanos da CIMADE, uma organização ligada aos movimentos protestantes da juventude, que agora também vão recordar estes episódios em Cabo Verde. Tencionam publicar um livro sobre o tema. Um deles registou em diário todos os passos dados em 1961. No encontro, os norte-americanos vão revelar documentos do espólio pessoal que hoje fazem parte da história da resistência destes países.

Não foi fácil. Dormiram em barracões e atravessaram rios. Depois de muitas dificuldades, foram presos em San Sebastian, Espanha. Passaram fome e humilhações nas prisões de Franco. Depois, Salazar quis resgatá-los como presos políticos, mas Franco não deixou e acabaram por ser depositados na fronteira francesa. Uns foram para Paris, onde chegaram a 2 de Julho de 1961. Ali, Tomás Medeiros conheceu figuras como Aimé Césaire, Simone de Beauvoir e Jean- Paul Sartre.

«Vou abraçar o Osvaldo Silva e o Manuel Boal, 50 anos depois» – conta ao SOL o médico Edmundo Rocha, que então os ajudou na Alemanha e deixou escrita para a história a sua versão dos acontecimentos.

Para registar estes testemunhos históricos estarão duas equipas: a da jornalista Diana Andringa, que persegue esta investigação há bastante tempo e quer realizar um documentário, e a do angolano Paulo Lara, para o projecto ‘Angola nos Trilhos da Independência’.

online@sol.pt


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Revolução dos Cravos

Este ano comemoramos o 37º aniversário do 25 de abril de 1974. Dia histórico para o povo português que nesse dia saiu à rua para comemorar o fim da ditadura.

A esperança de um futuro melhor para todos não era uma palavra vã, mas hoje, 37 anos depois temos cá dentro o FMI e outros afins para fazerem o trabalho que não fomos capazes de fazer.

Apesar de nem tudo ter corrido como previsto, valeu a pena principalmente pela liberdade e pelo fim da guerra colonial. Esta data é também muito importante para os  países africanos de língua portuguesa porque foi o começo do processo das independências.

Em Angola, onde combatemos entre 1971 e 1973, só se dá valor ao 4 de fevereiro de 1961, começo da insurreição em Luanda, mas efectivamente a independência do país não teria sido possível em 11 de novembro de 1975, sem o 25 de abril de 1974.

Não havia através da via militar uma solução à vista para pôr fim ao conflito e por isso o 25 de abril foi a chave mestra que abriu essa possibilidade.

Assim, até faria sentido que este dia fosse também comemorado nesses países africanos, mas julgo que em nenhum deles existe sequer uma rua com esse nome. Entendo que queiram valorizar o que é seu, mas do que não tenho dúvidas é que a curto ou médio prazo não teriam acedido à independência sem a “revolução dos cravos” que aconteceu a milhares de km de distância …

Para saber o que foi esta revolução clique AQUI.

Mário Mendes


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Protestar não é crime; é um direito

Felizarda Mayomona

Educar um povo a não reclamar pelos seus direitos, é na minha opinião, um crime, da mesma maneira que considero que educar alguém que está a ser atacado a não defender-se, é crime.

Educar um povo a não reclamar pelos seus direitos, é na minha opinião, um crime, da mesma maneira que considero que educar alguém que está a ser atacado a não defender-se, é crime. Sou da opinião sincera que o direito de protesto, de manifestação ou de reclamação (que no fundo dá no mesmo) deve ser um exercício legal a ser exercido por qualquer cidadão que sinta que os seus direitos cívicos ou constitucionais estão a ser usurpados, ou pelo menos, não estejam a ser garantidos.

O que faz diferença é a maneira de se protestar. Existem protestos violentos, e protestos pacíficos. Dependendo da capacidade, habilidade ou disposição de um determinado regime dialogar ou não com a parte protestante, as manifestações podem terminar em ações violentas e descontroladas, ou prosseguir pacificamente.

Estou ainda a recordar-me da manifestação levada a cabo pelos nossos compatriotas angolanos no dia 4 de janeiro de 1961, na baixa de Cassanje em Malange. O móbil da manifestação (também podemos lhe chamar de protesto porque dá tudo no mesmo), era a proibição do cultivo da mandioca (um alimento tipicamente africano) e a obrigatoriedade do cultivo do algodão e o aumento dos impostos deste, pela companhia belga colonial, a Cotonang. A reacção das autoridades coloniais portuguesas foi imediata e muito violenta: usando aviões que descarregavam bombas napalm sobre uma população indefesa, causaram a morte de milhares de pessoas. Este acontecimento hediondo causou tanta revolta entre os angolanos que serviu de ignição para o inicio da luta armada iniciada um mês depois, a 4 de fevereiro de 1961.

Actualmente comemoramos em Angola todo o dia 4 de Janeiro como um feriado oficial nacional, em memória das vítimas. Nunca antes na história de Angola se verificou uma manifestação daquela magnitude, que era, no considerar dos colonos portugueses da altura, uma acçao impossível ou impensável da parte dos autóctones angolanos. Com a independência nacional entramos numa outra era, em que os angolanos autóctones finalmente controlariam os seus próprios destinos, e um dos motivos que guiou a luta anti-colonial era luta contra a exploração dos angolanos por outros povos, nesse caso os portugueses. A exploração, a usurpação das riquezas da terra, a usurpação da nossa identidade africana e o resgate da nossa dignidade, dos nossos valores, da nossa cultura e línguas africanas, e principalmente, da nossa liberdade e da nossa terra seriam os frutos da nossa independência. Pelo menos era assim que os angolanos que lutaram de verdade contra o colonialismo pensaram.

Passados 35 anos e olhando para trás, verificamos que os ganhos da nossa independência ainda são uma miragem para a maioria dos angolanos, especialmente dos angolanos autóctones que agora ficaram constitucionalmente sem terra (passou a ser propriedade do estado). Verificamos que as imensas riquezas do nosso país, ainda não servem a maioria dos angolanos, mas também é propriedade privada só de alguns. Com um governo super centralizado como o nosso, as riquezas do país e o seu dividendo se concentram sempre nas mesmas pessoas, num ciclo vicioso que deu lugar a uma corrupção que praticamente já se tornou institucional. A polícia angolana reprime tanto ou pior que a PIDE-DGS, ao em vez de ser uma entidade protectora dos cidadãos, torna-se cada vez mais uma entidade apenas ao serviço de uma pequena elite.

A maioria dos angolanos sente-se estrangeiro neste país que cada dia que passa enterra a africanidade e desenha uma angolanidade também atípica, tal como a nossa constituição, em que nela o angolano autóctone se revê como estrangeiro dentro da sua própria terra. Nem as nossas línguas nativas foram oficializadas nesta nova constituição, mas apenas o português, que é uma língua imposta pelo colonialismo.

Nos encontramos debaixo de uma governação que administra os recursos de um país mas sem prestar contas aos seus verdadeiros donos: o povo. A maioria dos nossos líderes se tornou arrogante e insensível demais perante o sofrimento dos angolanos, vivem num mundo só deles enquanto pregam em órgãos como o Jornal de Angola e outros que Angola está a mudar, estamos a crescer, somos os maiores, somos os melhores, etc. De certeza que a analise dos nossos dirigentes é feita de um prisma totalmente egocêntrico, esquecendo-se que o maior indicador do crescimento de um país é a qualidade de vida do povo, o acesso aos serviços de saúde, de educação, do emprego. E vivendo num país riquíssimo como Angola, em 35 anos de independência e 9 anos de paz, já era altura de começarmos a falar também de subsídio de desemprego, entre outros benefícios de uma cidadania plena.

Vemos o contrário disso. O acesso aos recursos e benefícios do país para além de serem limitados só para alguns (baseado nos nomes e classe social, e em alguns casos até na cor da pele), em muitos casos, para ter acesso a um benefício como uma bolsa do Inabe te pedem Cartão de Militante de um partido angolano. Este partido chama-se MPLA. Isto é só para mencionar um exemplo em que, para se ter o benefício de algumas coisas em Angola o cartão de Militante do MPLA se torna numa obrigatoriedade, mas há mais. E ninguém pode negar esta realidade. Diante desta situação, me questiono como é com aqueles que são militantes assumidos de outros partidos e estão lá mesmo por uma razão ideológica. Será que estes têm de adquirir o cartão da angolanidade plena (Cartão do MPLA) para usufruir de alguns benefícios enquanto militam também clandestina ou abertamente nos seus partidos ou renunciam a actividade política nos seus partidos? Curiosidade.

Estas situações todas e muitas outras, considero muito injustas e justificariam um protesto massivo da população nas ruas da capital angolana e não só. Um protesto contra leis injustas e medidas anti-sociais. E dizer isto não é crime nenhum, porque se fosse crime, a nossa constituição não plasmaria este direito no seu artigo 47 (atenção, estou a defender o direito de se manifestar pacificamente). Infelizmente, principalmente nos governos africanos, as manifestações pacíficas quase nunca geram frutos nenhuns, já que os dirigentes se mantêm insensíveis, e chegam até a ser reprimidas, muitas vezes com tanta brutalidade que nos traz á memoria a repressão brutal dos regimes coloniais. Os manifestantes passam a ser tidos como inimigos da pátria, anti-patriotas, vândalos, agentes de forças externas, etc. Este facto é que leva, muitas vezes, às manifestações violentas como meio de se alcançar um objectivo. No caso de Moçambique a “revolta dos pobres” expôs o fracasso das políticas económicas e sociais do governo. Felizmente o Presidente Armando Guebuza teve o bom senso de recuar nas decisões iniciais do governo que deram inicio à revolta dos moçambicanos. É caso para se dizer “quem não chora, não mama”.

Me pergunto: como seria se tivesse sido em Angola? Como teriam reagido as autoridades? Teriam reagido com a mesma brutalidade (ou pior) que a policia moçambicana? Como teriam reagido os nossos irmãos que se auto-proclamaram a “vanguarda do povo angolano”, o MPLA? Nos defenderiam? Estariam ao lado do povo ou os teriam considerado como inimigos? Porque seria um contra-senso um partido que diz ser representante do povo (o povo é o mpla e o mpla é o povo) considerar o mesmo povo como inimigo apenas porque exteriorizou o seu desagrado perante a governação do país através de um protesto.

Temos de interiorizar que protestar não é um crime, é um direito. Angola é de todos os angolanos e todos merecemos, temos o direito, de usufruir dos benefícios da nossa cidadania. Todos temos direito de viver bem na nossa terra, e de termos as mesmas oportunidades. Até mesmo o direito de escolher os nossos dirigentes deve ser um direito sagrado e não um crime lesa pátria. E nós, os angolanos “comuns”, não adianta pensar que este governo que está aí, já a 35 anos, vai satisfazer os nossos anseios apenas pelos nossos lindos olhos.

A historia tem demonstrado que quanto mais tempo um partido permanece no poder, mais ele se acomoda, porque criam-se vícios que depois são difíceis de combater. Tem de ser nós mesmos, a pressionar e a exigir que os nossos direitos sejam satisfeitos e garantidos, como demonstrou mal ou bem, o povo moçambicano.


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Independência de Angola

Em 10 de Novembro de 1975, o Alto Comissário e Governador-Geral de Angola, almirante Leonel Cardoso, em nome do Governo Português, proclamou a independência de Angola, transferindo a soberania de Portugal,  não para um determinado movimento político, mas para o “Povo Angolano“, de forma efectiva a partir de 11 de Novembro de 1975.

Assim, no dia 11 de Novembro de 1975, cada um dos três movimentos de libertação proclamava a independência de Angola: Holden Roberto, da FNLA, proclamou a independência no Ambriz, Jonas Savimbi, da UNITA, proclamou a independência no Huambo e Agostinho Neto, presidente do MPLA proclamou em Luanda a independência de Angola, que passa a designar-se por República Popular de Angola, que só viria a ser reconhecida por Portugal em Fevereiro de 1976, sendo o Brasil o primeiro país a reconhecer o governo do MPLA.

Esta cerimónia teve lugar às 23 horas, 1 hora antes de terminar a data agendada para a independência, pois  a situação que se vivia era de grande incerteza. Para uma melhor compreensão do momento, o melhor é transcrever os comentários do coronel de cavalaria, Mendonça Júnior:

O fim da luta armada em Angola ficou consagrado no acordo celebrado em Alvor (Algarve) no final de Janeiro de 1975, Acordo pelo qual se estabeleceu um governo de transição tripartido – Portugal e os três movimentos de libertação angolanos – a quem foi incumbida a tarefa de gerir o país até à data da independência marcada para 11 de Novembro desse mesmo ano.

Durou pouco esse governo. A rivalidade entre as três formações angolanas, a ambição pelo mando absoluto e também a passividade da parte portuguesa conduziram rapidamente à sua falência total. Surgiram e multiplicaram-se, um pouco por todo o lado, casos de violência envolvendo as três partes angolanas, de tal modo que, no final de Agosto desse ano, o MPLA já era senhor absoluto da capital, de onde havia expulsado os representantes da UNITA e da FNLA.

A opinião generalizada que então se formou, nessa altura, tanto em Angola como fora, era de que, assim tendo procedido, o MPLA estava a preparar-se para, em 11 de Novembro, proclamar unilateralmente a independência, na expectativa de que a passividade da opinião pública, tanto interna como a externa, ajudasse a consagrar a ilegalidade.

Esqueceu-se, porém, Agostinho Neto, o então líder do MPLA, que com a descoberta do petróleo, acontecida anos antes, Angola passara a estar sob vigilância cerrada dos que, então como agora, controlam a produção e o comércio do crude à escala mundial. O resultado dessa falha de memória foi que, pouco tempo depois, Angola era, sem mais aquelas, invadida por uma força militar sul-africana procedente da Namíbia. A qual, depois de tomar, sucessivamente, as cidades do Lubango, Benguela e Lobito, avançou em direcção a Luanda. Onde, no entanto, não chegou a entrar, já que ao atingir as margens do rio Quanza (a cerca de 200 quilómetros da capital) foi mandada parar.

Por ordem de quem e porquê? Ocorre naturalmente perguntar?

Segundo fontes diplomáticas sul africanas desse tempo, Washington, que havia sugerido a invasão, fora quem formulara essa espécie de contra-ordem, acompanhada de um novo pedido: que os sul africanos transferissem parte do material bélico que transportavam para um outro grupo armado, que, constituído por guerrilheiros da FNLA, soldados zairenses disponibilizados por Mobutu e alguns voluntários portugueses, e sob o comando do Coronel Santos e Castro, se encontravam, nessa altura, a assediar Luanda pelo Norte, com o objectivo de a tomar, antes da data da proclamação da independência.

Uma vez na posse do material cedido pelos sul-africanos , que incluía três peças G5 – fabricadas na RSA e capazes de atingir objectivos localizados de até 50 Km – (chamados n’gola kiluando) Santos e Castro começou a preparar o ataque e a tomada de Luanda concebido nos seguintes termos: bombardear primeiro, utilizando as peças cedidas, com vista a estabelecer o pânico entre os defensores e a população da capital e, a seguir, realizar o assalto por terra. Plano que, uma vez concebido, foi divulgado via Kinshasa, com vista naturalmente a desmoralizar ainda mais o inimigo.

Sendo assim, no dia 6 de Novembro, depois de ter tomado a vila de Caxito, estabeleceu-se ele com os seus homens no Morro da Cal – uma pequena elevação de terreno situada a cerca de 30 Km de Luanda e dali fez três disparos dos G5 contra a capital. Dos quais um atingiu a pista do aeroporto, outro caiu na baía e o terceiro atingiu a refinaria de petróleo do Alto da Mulemba, provocando um incêndio, que acabou por ser dominado.

A estratégia resultou em pleno: o pânico previsto estabeleceu-se e generalizou-se, e, naturalmente começaram a circular boatos dos mais diversos, um dos quais concebido em termos de suscitar histeria colectiva e pavor. Eles os “fenelas” – assim o vulgo luandense chamava aos homens de Holden Roberto – vão entrar e vão degolar todos: pretos, brancos e mulatos.

Entretanto, as horas e os dias foram passando nessa terrível expectativa que se ia acentuando à medida que, um pouco por todo o lado na cidade, se ia escutando sons de disparos, resultantes do confronto que se ia verificando amiúde entre grupos de soldados que Santos e Castro ia mandando avançar em missões de sondagem do terreno e os militares que o MPLA tinha colocado fora do perímetro urbano da capital com missões de entreter o inimigo para deste modo possibilitar o envio de reforços.

Chegou-se finalmente a 11 de Novembro, dia marcado para a proclamação da independência, sem que no entanto se houvesse realizado o prometido assalto à capital. Mesmo assim, o pânico generalizado imperava e manteve-se sempre desde o nascer ao pôr do Sol desse dia histórico, durante o qual o único facto de registo sucedeu cerca das 16 horas, quando o alto-comissário representante da soberania portuguesa, um militar de alta patente português, General Silva Cardoso, mandou arrear a Bandeira das Quinas que encimava o velho palácio da cidade alta, dobrou-a e, com ela debaixo de um dos braços, tomou o caminho da Ilha de Luanda, onde o aguardava um navio de guerra, para o trazer de regresso definitivo a Portugal.

Deste modo inesperado e ademais ridículo e triste se concretizou o episódio final de quase cinco séculos de Histórial!!!

Entretanto, e porque a crença generalizada era de que os homens de Santos e Castro ainda poderiam atingir Luanda, a cerimónia oficial da proclamação da independência, marcada inicialmente para as 17 horas desse dia, foi sendo sucessivamente protelada e acabou por ter lugar só em plena noite e de uma forma algo improvisada.
Assim e apesar de todas as promessas e ameaças, os homens do coronel falharam: nem entraram na cidade nesse dia nem posteriormente realizaram qualquer tentativa nesse sentido, preferindo antes deixar os arredores da capital e empreender uma retirada em direcção à fronteira com o Zaire.

Porque esse falhanço, porque tudo isso? Importa perguntar?

A resposta ouvimos-la já aqui em Lisboa. Primeiro da boca do Coronel Santos e Castro, poucos meses antes da sua morte; e logo a seguir, por intermédio de alguns portugueses e angolanos, que foram seus companheiros nessa aventura. E tivemos-la confirmada, mais tarde, pelas mesmas fontes diplomáticas sul-africanas atrás referidas. Ei-la, pois, reproduzida de forma sintética mas clara.


Canhão G-5 (foto Net)

Na madrugada do dia 9 de Novembro e cumprindo o plano que estabelecera, o Coronel Santos e Castro dirigiu-se à tenda onde se albergava Holden Roberto, o Presidente da FLNA, para lhe comunicar que ia imediatamente pôr a funcionar os G5 e iniciar o bombardeamento da capital. E foi então informado que estava impossibilitado de o fazer, já que, um pouco antes, os artilheiros sul-africanos haviam desmantelado as culatras dos G5, tornando-os inoperacionais, embarcando a seguir num helicóptero que os transportou para bordo de um navio do seu país que os aguardava ao largo do porto de Ambriz. E isso no cumprimento de uma exigência imposta de Washington a Pretória.

Dito isto, só resta a lógica conclusão final. Não foram pois os homens do MPLA que impossibilitaram a tomada de Luanda pelas forças comandadas pelo Coronel Santos e Castro.

Nada disso. A responsabilidade do insucesso cabe a outro. E quem é ele? Resposta é inequívoca. Esse mesmo que, desde sempre, se notabilizou por promover guerras e fazer delas um negócio altamente lucrativo para si próprio: Os Estados Unidos da América.


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25 de Abril em Angola

Relembro aquela manhã de vinte e cinco de Abril de mil novecentos e setenta e quatro em que nas escolas, nas ruas, nos mercados, nas esplanadas correu de boca em boca a notícia de uma revolução em Lisboa. A revolução dos cravos lhe chamavam. Nos dias seguintes apareceu nos jornais a célebre imagem dum soldado empunhando uma espingarda com um cravo vermelho enfiado no cano, tendo nos braços uma criança.

A alegria contagiou tudo e todos e logo se começou a falar em independência. Como tudo iria ser melhor! Ar­quitectavam-se sonhos de liberdade e progresso. Uma nova era se vislumbrava no amanhecer dum novo dia. Gente de todas as cores parece que bebia o ar da vitória. A Grande Angola iria ser ainda maior. Quanto não iria valer a moeda angolana!… Até já se faziam câmbios. Repórteres de jornais e revistas vieram para a rua fazer inquéritos.

Quem pretendia a independência? perguntavam. Todos, era a resposta de brancos, negros ou mestiços. Quem queria continuar, em Angola? Todos é claro. Todos estavam empenhados no futuro desta terra; os que cá nasceram e os que a tinham adoptado como sua. Apenas uma minoria de militares, alguns quadros e poucos mais tinham intenção de regressar à Metrópole. Na população em geral uma maior onda de fraternidade mais nos irmanava. A independência tornou-se o tema geral das conversas, falava-se dela apaixonadamente.

A grande Angola iria ser ainda maior depois que a guerra acabasse e a energia de todos fosse canalizada para o progresso daquela grande Terra.

Aqui e além porém encontrava-se alguém que fugia ao tema deixando intrigados os restantes.

O primeiro de Maio ainda foi festejado em plena harmonia. Ouviam-se na rádio canções revolucionárias e uma delas falava em emalar a trouxa e zarpar. Esta foi comentada num grupo de amigos e os comentários cheiraram-nos a esturro deixando-nos apreensivos. Passados dias começaram a correr rumores de desordens, de levantamentos. Mais tarde Luanda foi visitada por um oficial general das forças armadas, que foi recebido em festa, mas que deixou todos ainda mais apreensivos do que estavam.

As medidas que a partir daí começaram a ser tomadas pelo governo central suscitaram a instabilidade, a anarquia no seio das forças armadas e o medo e o mau estar na popu­lação em geral.

Negras nuvens começaram a adensar-se. As notícias da Metrópole eram controversas. Passámos a estar suspensos da rádio e dos jornais. Foi nomeado um novo governador de Angola. Não tardou muito para que os brancos fossem intimados a entregar todas as armas que possuíam. Bandos de negros de aspecto pouco cordial, surgidos não se sabe de onde, começaram a invadir a cidade gritando slogans revolucionários com ar ameaçador.

Soubemos do desembarque de colunas e colunas de soldados e do mais diverso e sofisticado material de guerra, tudo proveniente da Rússia e de Cuba que atravessavam a cidade e desapareciam num abrir e fechar de olhos não se sabe para onde. Os governantes, tendo conhecimento de tudo o que se passava, procediam como se nada de anormal estivesse a acontecer.

A alegria dos primeiros tempos após o vinte e cinco de Abril, cedo começou a desvanecer-se. Afinal muito poucos estavam informados do que se estava a passar. Apenas aqueles que de início fugiam ao tema da independência e os grupos que iam invadindo a cidade tinham uma vaga ideia do que se congeminava nas costas de todos os angolanos. Os militares falavam em segredo. Alguém ouvira aqui ou ali coisas um tanto ou quanto escabrosas sobre o futuro de Angola mas de nada havia certezas. Talvez não fosse verdade pois era demasiado arrepiante para o ser. O boato passou a ser o pão nosso de cada dia. A instabilidade instalou-se definitivamente. Slogans marxistas, tentando expandir ideias comunistas começaram a surgir criando focos de revolução e guerrilha por toda a cidade os quais começaram a alastrar­-se progressivamente a todo o território angolano. Luanda que desde sessenta e dois até então havia sido poupada à guerrilha, via a violência aumentar agora a cada momento.